Corriam pelos campos de trigo. Não importava o quanto estivessem cansados, encontravam-se sempre ali, naquela mesma hora. Também não importava o tempo, contanto que soubessem que a Terra continuava a girar em torno do seu próprio eixo. Ali foram favorecidos pelo bom tempo. Por lá, viu-se chuva há muito tempo. E a primavera já começava a borrar o céu de um tom alaranjado, naquele crepúsculo, o que encantava seus dois maiores espectadores.
Depois sentavam-se na grama fofa. Olhavam pro céu e contavam as estrelas, sem medo de verrugas nascerem-lhes entre os dedos.
—Aquela ali é Alpha Centauri — ele disse.
—Hm... bem bonita.
—Ela pode nem estar mais ali.
—Como assim?
—O que vemos agora é uma imagem de quatro anos e meio. — disse — Só podemos saber se ela ainda esteve mesmo ali daqui a quatro anos e meio.
Ele adorava ver a expressão de curiosa.
—Ela é da constelação de Centauro.
Agora ligavam as estrelas para ver que imagens formavam, como duas crianças ingênuas. E só quando faltava pouco para as oito, levantavam-se e iam para suas casas.
No dia seguinte, idem. Mas ele fez questão de levá-la para sentar um pouco mais cedo.
—Marcela... — chamou-a para si.
Ela sabia que quando ele a chamava pelo nome, não era coisa lá muito agradável. Logo sentiu as contrações na barriga e o pulso acelerando. Por alguns segundos lembrou-se da infância, quando sua mãe a chamava pelo nome completo, por mais que a pequena garota não gostasse. Mas ali, não importava muito se gostava ou não. Se a chamava assim, certeamente estava furiosa por causa de alguma "molecagem de garota", como dizia.
Sentia o sange correr pelos capilares mais rapidamente. A respiração ofegante... Olhou-o nos olhos e tentou ali achar conforto. Ainda podia ver a simpatia naqueles olhos verdes, antes que anoitecesse e tudo se tonasse negro. E agora reparava nos delicados traços daquele rosto que tanto admirava.
—Sim? — respondeu tentando disfarçar aquele sentimento de mau presságio.
Agora era ele que tinha o que temer. Não suportava apenas imaginar um dia perdê-la em meio a tão grande mundo. Mas sempre confiou-lhe. Sentia-se impotente quando estavam juntos. Sentia-se fraco, bobo... E, encantado pelo olhar meigo de garota ingênua, confiava-lhe tudo.
Chegou várias vezes a questionar se ela realmente o merecia. Tinha vivivo várias coisas as quais não lhe traziam muito orgulho. E já havia contado à jovem amada, mesmo que chegasse a perdê-la por isso. Se contara-lhe, é porque certamente havia ali uma confiança recíproca.
—Eu não sei como lhe dizer isso — ele desabafou.
—Apenas diga — ela insintiu.
Antes que começasse, respirou fundo. Então iniciou:
— Não sei se poderemos viver juntos agora. — tentou conter-se e continuou — Não que eu não queira. Lógico que quero! Você não é nada mais que a minha vida fora de mim. Mas, por ora, preciso passar uns tempos fora. Me chamaram para trabalhar na metrópole.
Ela ouvia antentamente sem interrompê-lo.
— E quando juntar o suficiente, poderei trazer você comigo para vivermos lá. — finalizou. Era um pequeno resumo de tudo, na verdade.
Ela não sabia o que dizer. Mas se sentia feliz. Ele estava a pouco de ser reconhecido como profissional que era. Imaginava que fosse algo pior.
— Promete que vai se comunicar comigo sempre que puder?
Foram cada um para sua casa, um pouco depois. Como sempre faziam.
E lá, Marcela chorou. Não sabia o porquê. Não se achava com motivos para chorar. Achava-se fraca e agora ela que perguntava a si se ele a marecia verdadeiramente.
Foi-se uma semana solitária. Mas sempre, às cinco horas, depois que saia do Hospital onde trabalhava, ia para casa e vestia um de seus leves vestidos de algodão com estampas variadas para olhar o pôr do sol à Oeste.
Duas semanas, três... aquele mesmo ritual diário que nunca virava rotina. Mesmo nos dias mais cansativos, desmarcava qualquer compromisso naquele horário e ia observar as estrelas. Diziam as amigas que Marcela estava louca e que só um dia não faria diferença. Mas ela fingia não ouvir. Não era questão de loucura.
Quatro semanas. Era um dia de verão como qualquer outro. O vento frio do final de um dia quente entrava pela janela do seu quarto, fazendo as flores contidas num vaso simples sobre o móvel agitarem. Passava a mão pelo vestido florido. Arrumava as alças e a faixa sob o busto, preparada para um encontro.
Encontrava-se sempre com ele. Mesmo que não fisicamente. Os leves traços do jovem estavam presentes em seu pensamento. E aquele era um outro dia como aqueles.
Preparava-se para sair. Calçou as sandálias, rodou a mão sobre a maçaneta, prestes a ir. Então ouviu que alguém a chamava. Era a mãe, que conservara uma expressão serena e acolhedora indo a seu encontro.
—Chegou correpondência, minha linda.
Marcela, num salto, abraçou a mãe e pegou o envelope. Não abriu. Agradeceu e continuou em direção ao encontro.
Confiou sempre nele e ali via que não estava errada. Via as letras garranchadas do amado, no envelope. Mas manteve fechado, enquanto acompanhava O movimento aparente do Sol.
Antes que a grande estrela se fosse por completo, transformando o laranja num violeta azulado muito escuro, tomou coragem e abriu a correspondência lentamente. Podia reconhecer a letra dele. Imediatamente veio-lhe um sorriso que duraria, certamente, até o dia em que ele viria com o objetivo de levá-la à metrópole.
"Eu ainda olho as estrelas. Todo dia.
Thales"
Dobrou o papel e rumou para casa à espera do dia.
quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010
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2 comentários:
Ooonw que liiindooo *---* Muito bem escrito, dá vontade de continuar lendo (até pra mim que sou preguiçosa). Como já diria Mirian... Aí eu pude ver a "CHama do amor" hahaha. Adooreei \o/
Muito lindo msm!!
É incrível como pequenas coisas q conectam um casal se tornam essenciais mesmo que o outro ou outra não esteja de "corpo presente".
Amei! *-*
;**
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